sexta-feira, 4 de abril de 2008

O Menino Grande.




“O Menino Grande
A minha humilde homenagem a Sebastião da Gama*

Também eu, também eu.
joguei às escondidas, fiz baloiços,
tive bolas, berlindes, papagaios,
automóveis de corda, cavalinhos...

Depois cresci,
tornei-me do tamanho que hoje tenho;
os brinquedos perdi-os, os meus bibes
deixaram de servir-me.
Mas nem tudo se foi:
ficou-me,
dos tempos de menino
esta alegria ingénua
perante as coisas novas
e esta vontade de brincar.

Vida!,
não me venhas roubar o meu tesoiro:
não te importes que eu ria,
que eu salte como dantes.
E se eu riscar os muros
ou quebrar algum vidro
ralha, ralha comigo, mas de manso...

(Eu tinha um bibe azul...
Tinha berlindes,
tinha bolas, cavalos, papagaios...
A minha Mãe ralhava assim como quem beija...
E quantas vezes eu, só pra ouvi-la
ralhar, parti os vidros da janela
e desenhei bonecos na parede...)

Vida!, ralha também,
ralha, se eu te fizer maldades, mas de manso,
como se fosse ainda a minha Mãe...



* Poeta português, natural de Vila Nogueira de Azeitão, Setúbal. Concluiu o curso de Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1947, e ainda nesse ano iniciou a sua actividade de professor, que exerceu em Lisboa (Escola Comercial Veiga Beirão), Setúbal e Estremoz. Foi colaborador das revistas Árvore e Távola Redonda.
Sebastião da Gama ficou para a história pela sua dimensão humana, nomeadamente no convívio com os alunos, registado nas páginas do seu famoso Diário (iniciado em 1949). Literariamente, não esteve dependente de qualquer escola, afirmando-se pela sua temática (amor à natureza, ao ser humano) e pela candura muito pessoal que caracterizou os seus textos. Atingido pela tuberculose, que causaria a sua morte precoce, passou a residir no Portinho da Arrábida, com a panorâmica serra da Arrábida a alimentar o culto pela paisagem presente na sua obra. Foi, entretanto, instituído, com o seu nome, um Prémio Nacional de Poesia. Estreou-se com Serra Mãe, em 1945. Publicou ainda Loas a Nossa Senhora da Arrábida (1946, em colaboração com Miguel Caleiro), Cabo da Boa Esperança (1947) e Campo Aberto (1951). Após a sua morte, foram editados Pelo Sonho é que Vamos (1953), Diário (1958), Itinerário Paralelo (1967), O Segredo é Amar (1969) e Cartas I (1994).

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