terça-feira, 25 de março de 2008

O Alentejo e os alentejanos.



Palavra mágica que começa no Além e termina no Tejo, o rio da portugalidade.O rio que divide e une Portugal e que à semelhança do Homem Português, fugiu deEspanha à procura do mar.
O Alentejo molda o carácter de um homem. A solidão e a quietude da planíciedão-lhe a espiritualidade, a tranquilidade e a paciência do monge; asamplitudes térmicas e a agressividade da charneca dão-lhe a resistência física,a rusticidade, a coragem e o temperamento do guerreiro. Não é alentejano quemquer. Ser alentejano não é um dote, é um dom. Não se nasce alentejano, é-sealentejano. Portugal nasceu no Norte mas foi no Alentejo que se fez Homem. Guimarães é oberço da Nacionalidade, Évora é o berço do Império Português. Não foi por acasoque D. João II se teve de refugiar em Évora para descobrir a Índia. No meio dasmontanhas e das serras um homem tem as vistas curtas; só no coração doAlentejo, um homem consegue ver ao longe.
Mas foi preciso Bartolomeu Dias regressar ao reino depois de dobrar o Cabodas Tormentas, sem conseguir chegar à Índia para D. João II perceber que só ocostado de um alentejano conseguia suportar com o peso de um empreendimentodaquele vulto. Aquilo que para o homem comum fica muito longe, para umalentejano fica já ali. Para um alentejano não há longe, nem distância porquesó um alentejano percebe intuitivamente que a vida não é uma corrida develocidade, mas uma corrida de resistência onde a tartaruga leva sempre amelhor sobre a lebre.
Foi, por esta razão, que D. Manuel decidiu entregar a chefia da armadadecisiva a Vasco da Gama. Mais de dois anos no mar... E, quando regressou, aoperguntar-lhe se a Índia era longe, Vasco da Gama respondeu: «Não, é já ali.».O fim do mundo, afinal, ficava ao virar da esquina.
Para um alentejano, o caminho faz-se caminhando e só é longe o sítio onde nãose chega sem parar de andar. E Vasco da Gama limitou-se a continuar a andaronde Bartolomeu Dias tinha parado. O problema de Portugal é precisamente este:muitos Bartolomeu Dias e poucos Vasco da Gama. Demasiada gente que não consegueterminar o que começa, que desiste quando a glória está perto e o mais difíciljá foi feito. Ou seja, muitos portugueses e poucos alentejanos.
D. Nuno Álvares Pereira, aliás, já tinha percebido isso. Caso contrário, nãoteria partido tão confiante para Aljubarrota. D. Nuno sabia bem que uma batalhanão se decide pela quantidade mas pela qualidade dos combatentes. É certo que oRei de Castela contava com um poderoso exército composto por espanhóis eportugueses, mas o Mestre de Avis tinha a vantagem de contar com meia-dúzia dealentejanos. Não se estranha, assim, a resposta de D. Nuno aos seus irmãos,quando o tentaram convencer a mudar de campo com o argumento da desproporçãonumérica: «Vocês são muitos? O que é que isso interessa se os alentejanos estãodo nosso lado?»
Mas os alentejanos não servem só as grandes causas, nem servem só para asgrandes guerras. Não há como um alentejano para desfrutar plenamente dos maissimples prazeres da vida. Por isso, se diz que Deus fez a mulher para ser acompanheira do homem. Mas, depois, teve de fazer os alentejanos para que asmulheres também tivessem algum prazer. Na cama e na mesa, um alentejano nuncatem pressa. Daí a resposta de Eva a Adão quando este, intrigado, lhe perguntouo que é que o alentejano tinha que ele não tinha: «Tem tempo e tu tens pressa.»Quem anda sempre a correr, não chega a lado nenhum. E muito menos ao coração deuma mulher. Andar a correr é um problema que os alentejanos, graças a Deus, nãotêm. Até porque os alentejanos e o Alentejo foram feitos ao sétimo dia,precisamente o dia que Deus tirou para descansar.
E até nas anedotas, os alentejanos revelam a sua superioridade humana eintelectual. Os brancos contam anedotas dos pretos, os brasileiros dosportugueses, os franceses dos argelinos... só os alentejanos contam e inventamanedotas sobre si próprios. E divertem-se imenso, ao mesmo tempo que servem deespelho a quem as ouve.
Mas para que uma pessoa se ria de si própria não basta ser ridícula porqueridículos todos somos. É necessário ter sentido de humor. Só que isso é umextra só disponível nos seres humanos topo de gama.
Não se confunda, no entanto, sentido de humor com alarvice. O sentido dehumor é um dom da inteligência; a alarvice é o tique da gente bronca emesquinha. Enquanto o alarve se diverte com as desgraças alheias, quem temsentido de humor ri-se de si próprio. Não há maior honra do que ser objecto deuma boa gargalhada. O sentido de humor humaniza as pessoas, enquanto a alarvicediminui-as. Se Hitler e Estaline se rissem de si próprios, nunca teriam sido asbestas que foram.
E as anedotas alentejanas são autênticas pérolas de humor: curtas, incisivas,inteligentes e desconcertantes, revelando um sentido de observação, um sentidocrítico e um poder de síntese notáveis.
Não resisto a contar a minha anedota preferida. Num dia em que chovia muito,o revisor do comboio entrou numa carruagem onde só havia um passageiro. Porsinal, um alentejano que estava todo molhado, em virtude de estar sentado numlugar junto a uma janela aberta. «Ó amigo, por que é que não fecha a janela?»,perguntou-lhe o revisor.
«Isso queria eu, mas a janela está estragada.», respondeu o alentejano.«Então por que é que não troca de lugar?» «Eu trocar, trocava... mas com quem?»
Como bom alentejano que me prezo de ser, deixei o melhor para o fim. OAlentejo, como todos sabemos, é o único sítio do mundo onde não é castigo uma pessoa ficar a pão e água. Água é aquilo por que qualquer alentejano anseia. Eo pão... Mas há melhor iguaria do que o pão alentejano? O pão alentejanocome-se com tudo e com nada. É aperitivo, refeição e sobremesa. E é o único pãodo mundo que não tem pressa de ser comido. É tão bom no primeiro dia como nodia seguinte ou no fim da semana. Só quem come o pão alentejano está habilitadopara entender o mistério da fé. Comê-lo faz-nos subir ao Céu!É por tudo isto que, sempre que passeio pela charneca numa noite quente deverão ou sinto no rosto o frio cortante das manhãs de Inverno, dou graças aDeus por ser alentejano. Que maior bênção poderia um homem almejar?

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